sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Mais ouvidos em menas bocas para a música brasileira

Depois de um pequeno debate em sala de aula, a respeito de produção musical brasileira, quase caio em gargalhadas quando um colega disse que não se faz música como antigamente e outros dois tiveram o disparate de inferir que nem se faz música no Brasil, ou que não temos uma produção musical digna que aplauso. Claro que não rir pelo inconveniente, mas muitas vezes o pré-conceito, ou mesmo a ignorância, devem ser respondidas com longas gargalhadas, pois são no mínimo ridículas. Ora, quem não conhece um mínimo de história de música brasileira, fica o convite de permanência na tolice.
O começo do sec. XX é de extrema importância na compreensão de representações artísticas (neste caso, a música) no Brasil. Não foi neste período que os negros, recém abolidos, depois de experimentos musicais híbridos, como a macumba, o maculelê, o batuque, criaram o que viria a ser a primeira manifestação musical autenticamente brasileira, que revolucionaria a música brasileira, o samba. Simultâneo a isto, os negros periféricos dos EUA, na ruas de Nova Orleans, criavam o jazz, para posteriormente o movimento bossa nova juntar samba e jazz e criar a própria bossa. Quem nunca se interessou por samba, em sua plenitude, deve dizer mesmo que o Brasil não produz música. Quem nunca ouviu Ismael silva, que não sabe da importância de Noel Rosa e Ari barroso, quem se quer entende a poética de grandes nomes importantíssimos na música brasileira, Dorival Caymmi e Luis Gonzaga, deve, sim, continuar no estereótipo que, aliás, serve de arcabouço para o pré-conceito tão tosco quanto seu dono.
É extremamente lamentável que não se conheça a história das cantoras de rádio, na Era de ouro, no Brasil. A época, anos 40 e 50, deixaram nomes imortais na história, que ainda hoje são regravadas por contemporâneos. Desde período, Aracy de Almeida e Elizete Cardoso, a primeira cantora a gravar um disco só com musica de Tom e Vinicius se destacaram como as damas do rádio. Não menos importante são Alaíde Costa, com sua voz triste que só canta música de lamentos, e Dolores Duran que morreu jovem, mas deixou A noite de meu bem, um clássico indiscutível.Neste mesmo período, meados dos anos 50, um movimento começa a surgir de forma tímida que toma dimensões planetárias, pela delicadeza do toque do violão e a peculiaridade da percussão, e um poética que exalta a mulher como ser perfeito: a bossa nova. Quem nunca ouviu Roberto Menescal e Silvia Telles, com o clássico Um barquinho um violão, que abre as alas para o movimento, deve insultar a si mesmo com as mesmas afirmações. Quem não sabe do respaldo que a bossa nova deu ao Brasil em questão de música, quem não sabe que quando se fala de jazz, a bossa é lembrada, quem não sabe que o Japão é o país onde se mais consome bossa nova e música brasileira no mundo, quem nunca ouviu falar em Ithamara Koorax, cantora brasileira, eleita por uma revista America especializada em jazz, a melhor cantora do gênero em 2006, revista cuja já teve outra brasileira nos anos 70 e tem João Gilberto sempre no topo desta lista. Deve não ser de conhecimento também que Pepel Gomes, baiano, está entre os dez maiores guitarrista do mundo, numa lista onde Jimmy Hendrix e B.B. King estão presentes.
A bossa nova é um gênero tão aclamado no exterior que Bebel Gilberto é a cantora brasileira que mais vende discos nos EUA. Outro brasileiro, Sergio Mendes, é uma dos cantores brasileiros mais populares neste país. Ella Fitzgerald gravou um disco só com músicas de Tom Jobim. Sarah Voughan gravou três discos de musica brasileira e dois com Milton Nascimento e Dione Wavick dedicou um disco com compositores brasileiros. Frank Sinatra gravou um disco com Tom Jobim e João Gilberto gravou dois com o saxofonista Stan Getz. Louis Armstrong já cantou ao lado de Elza Soares e Tom Zé gravou um disco também com David Byrne. Não estou dizendo que a musica brasileira é boa porque os americanos gostam, até porque temos o Japão para mostrar o contrário e a França que aclama Seu Jorge e Marcos Valle sem falar que Adriana Calcanhoto é referencia de musica brasileira em Portugal.Depois da era do rádio, a TV teve primordial importância na história da música, com os festivais de musica na TV, nada parecido com os ídolos ou Fama, claro. Destes festivais se revelaram Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Elis Regina, entre tantos. Abro parênteses para dizer aos atiradores de elite que pensam que “MPB” são estes quatros cantores acima citados, ao lado de Gal e Bethania que é, no mínimo, medíocre.Claro que o movimento tropicália tem fundamental importância, mas existem motivos e motivos para sua popularização, como o contexto político e cultural, afinal havia um movimento de contra-cultura importado neste movimento.
Penso que seja pertinente mencionar o movimento Clube da Esquina, no nos anos 70, que acontecera em Minas Gerais, ao qual está a frente Milton Nascimento, Lô e Macio Borges, Beto Guedes e Flávio Venturini, é impossível não citá-los aqui, pois foi o ultimo movimento notório antes do termino da ditadura. Ouve também um movimento em São Paulo chamado Vanguarda Paulistana com Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, cujo estes senhores de nobreza erudita nunca devem ter ouvindo se quer seus nomes.Seria pecado mortal se esquecer aquilo que não se esquece.
O Samba popular dos anos 60 e 70. Aqui, devo prestar reverencias a contribuição de senhores maiores para a solidificação de uma expressão musical autentica e perene ao qual Pixinguinha, Cartola, Adoniran Barbosa, Ataulfo Alves são representantes imortais desta época.Perece até que o espírito saudosista me invadiu, mas a contemporaneidade não deixa a desejar. Talvez até produzimos mais musica que antes, pois hoje a facilidade é maior que se gravar um disco que a algumas décadas. Para a nova geração, cujo alguns críticos chamam de nova música brasileira, Monica Salmaso e Ana Martins representam bem nossa cultura musical, fazendo de seus trabalhos uma contextualização do passado e presente. Na Ozzeti, Jussara Silveira, Roberta Sá e Bruna Caran, esta de apenas 21 anos, são obras primas e uma evidencia obvia que no Brasil se faz musica de qualidade sim, o que faltam, talvez são ouvidos e menos bocas para dizer o que não se sabem.
No Rio de Janeiro há um movimento bastante interessante que é o Soul Brasil, onde novos cantores utilizam do seu brilhantismo para fazer um trabalho legal, mesclando com o soul, funk, blues, jazz e samba. Desta ala, Max de Castro e Wilson Simoninha se destacaram, mas sem esquecer-se de Paula Lima e Funk Come Legusta, Luciana Melo, Jair Oliveira, Zé Ricardo, Claudio Zoli, Max Viana, Daniel Carlomagno, entre outros. Este movimento tem influencia diretamente de integrantes deste mesmo movimento, só que nos anos 70, que tinham Jorge Ben, TIM Maia, Cassiano, Hyldon, Carlos Dafé e Wilson Simonal, pai de dois da nova geração, como precursores.
Naturalmente que existem questões como uma indústria cultural, que degola a arte aqui em qualquer lugar, e comportamentos culturais de um povo que está relacionado, acredito eu, com o modelo educacional e com os parâmetros aos quais se estabelecem tais comportamentos. Agora é necessário que estas pessoas que acreditam ser mais letrada e consciente da realidade, dispam o traje do pré-conceito para compreender a mesma realidade de forma sensata. Estas pessoas, que parecem só conhecer Ana Carolina, Ivete Sangalo e Vanessa da Matta como representantes da música brasileira, devem realmente continuar na estupidez e esperar ver Naná Vasconcelos ou Adriana Deffenti no fim de semana na TV, ou que a revista Veja faça um notinha vagabunda sobre Syvia Patrícia, devem esperar as rádios populares fazerem entrevista com Max de Castro, pois não irá acontecer.
Uma forma de conhecer e compreender música brasileira é ouvindo a rádio Educadora(107.05), já que esta emissora não tem contrato com gravadora, portanto executa diariamente todos os artistas citados acima. Existem também sites especializados em (outra) música brasileira, que é o sintoniafina.com.br, de Nelson Motta, jornalista e produtor musical, que nutro profunda admiração. Aqui em Salvador, o Teatro Gamboa Nova, tem shows de quarta a domingo, com artistas baianos dentre eles Juliana Cunha e Virginia Prado; quem quiser acessa o site do teatro que tem a programação completa.
Enfim, apenas acredito numa máxima: a música brasileira precisa de mais(bons) ouvidos e (muito) menos bocas dizendo besteiras.