terça-feira, 16 de agosto de 2011

Quando o cidadão assume o papel do jornalista


O que é ser jornalista? Embora infantil, a pergunta torna-se pertinente no cenário contemporâneo, principalmente no Brasil, onde recentemente a identidade jornalística tem sido objeto de discussão entre teóricos, seja pela não mais obrigatoriedade de diploma, seja pela emergência de novas mídias, seja pelos recursos multimidiáticos de celulares, por exemplo, fazendo com que qualquer pessoa seja capaz de coletar, produzir e divulgar informação, justamente a atividade do jornalista.

O celular e a internet tornaram o cidadão em potencial repórter do cotidiano. Muitas vezes, o próprio veículo de comunicação utiliza dos produtos produzidos pelo usuário comum como fonte ou complemento para informar o público.

Mais é preciso cautela. Isso não dá ao cidadão, mesmo quando testemunha ocular do fato, a condição de jornalista. 

O jornal A Tarde (BA) denomina de repórter cidadão as pessoas comuns que colaboram com o periódico. Mas precisamos conceituar precisamente este potencial colaborador, que é cidadão, mas não é repórter. A proposta aqui não é desmerecer o cidadão que participa da produção do jornalismo, mas situá-lo apenas como tal. A própria crise de identidade do jornalismo, com a derrubada do diploma, fazendo supor que qualquer pessoa possa ser jornalista, aliado ao recurso fácil de divulgação de conteúdo através da internet, pode confundir se o cidadão é ou não jornalista; se o que ele produz é ou não jornalismo.

O jornalismo pressupõe a captura e a divulgação das notícias, levando em conta o princípio da deontologia jornalística, o tratamento estilístico do texto e a hierarquização das informações. Por mais que o cidadão mande foto, vídeo e texto para a imprensa, ou mesmo divulguem-nas pela internet, ele não é um jornalista.

E por não sê-lo, desconhece a ética da prática profissional, o que pode, em algumas situações, acabar querendo lograr proveito próprio em cima da informação que a detém. Desta forma, tende a querer vender uma foto, um vídeo ou mesmo cobrar para ser entrevistado, quando percebe que possui exclusividade. Isso coloca o jornalista numa situação delicada; sabendo da importância do material jornalístico na mão do cidadão, mas da impossibilidade de consegui-lo. Afinal, sabemos que comprar informações - o chamado journalism check-book - não é eticamente adequado.

Sem esse cuidado ético, do senso do limite entre a informação precisa e o sensacionalismo, o cidadão tropeça por não conhecer os princípios da deontologia jornalística. Acaba produzindo material que vai muito além da informação necessária - isso quanto efetivamente é necessária. Fotos, vídeos e relatos que beiram o bizarrismo, a falta de senso humanitário e o grotesco podem permeiar esses materiais produzidos pela gente comum do dia a dia.

Quando o material é repassado para o jornalista profissional, este, supõem-se, deve fazer o tratamento pertinente do material amador; mas quando o próprio produtor resolve disponibilizar pela internet, por exemplo, a situação fica mais complicada.

O cidadão sabe do seu potencial repórter eventual que pode se tornar. Testemunha o fato atentamente, vive com o celular em ponto para captar uma foto ou um vídeo de um acidente na rua, ou mesmo algo hilário, exótico ou insólito. Mas nesse afã de produzir material exclusivo, talvez um senso jornalístico, pode levá-lo a sórdida frieza. Em um acidente qualquer, as pessoas se preocupam mais em captar o fato com o celular, que providenciar ajuda ou socorro. Num fato de interesse particular, a privacidade de outrem pode acabar sendo revelada pela falta de recursos éticos, que muitas vezes o cidadão comum não sabe.

O cidadão é necessário na produção dos jornais. É ele que compõem grande parte do material divulgado pela imprensa, com personagens que ilustram as reportagens. Todavia, essa relação precisa ser claramente delineada. O cidadão jamais será um jornalista. Ele é um colossal colaborador do jornalismo, mas é preciso colocar cada qual no seu cada qual.