quinta-feira, 27 de maio de 2010

As aparências não enganam

O celular desperta às 06h00. Uma hora depois eu já estou no ponto de ônibus. Cheio; gente de cara inchada, ainda de mau-hálito, disputando o minúsuculo espaço das carcaças de aço que servem para transporte público e coletivo. A cidade tem cada vez mais carros na sua pistas estreitas de asfalto negro e áspero. O trânsito fica lento para quem tem tanta presa de viver, cujo perde seu precioso tempo olhando para caras feias e axilas fedidas.

O vidro sujo, que outrora fora transparente, ofusca a paisagem da angústia e do medo urbanos. Tenho inveja de quem não precisa pegar ônibus. Talvez o único lugar onde quem está por baixo está melhor de quem está por cima seja no trânsito.

Cada carro que passa com seu desaine imponente desperta por alguns segundo meus olhos e minha inveja. Eu tenho vontade de ter um carro. No meu carro ninguém me incomodará me pedindo desculpas por estar interropendo minha viagem, para oferecer guloseimas de origem duvidosa. Eu não tenho vontade de saber das novidades bombonierísticas, pois sei onde ficam as lojas americanas; e, além do mais, é melhor não ver essas coisas mesmo, pois ver crianças e velhos maltrapilhos podem despertar meu senso humanitário, coisa que detesto.

Em meu carro não ficarei com medo de alguém entrar para me roubar, pois apenas entrará no meu carro pessoas convidadas por mim; também estarei menos exposto e mais seguro, porque tenho medo de andar de ônibus, e, por hora, tenho nojo. Não me sinto bem; acho ele sujo, feio e tenho quase certeza que ali se transportam mais germes e bacterias que de fato gente.

Todo dia no onibus pessoas que nunca vi, ou pessoas que sempre vejo. Tem muita gente que eu nem sei quem é, se é pessoa de bem, se ali tem alguém de má fé capaz de me colocar em risco, afinal ninguém precisa de antecedentes criminais para entrar no ônibus. Mas a gente conhece pela cara as entidades do mal. Eles são facilmente identificados, pois carregam sobre sua pela escurecida símbolos que incriminam-os, revalando sua marginalidade e despertando tensão quando infiltram no coletivo.

O corte de cabelo pode representar alguma coisa. Eles podem ter aquele V.O. onde na parte superior da cabeça têm cachos impreguinado de alisante e gel, ou um corte com desenhos à gillete de marcas como Seaway. Porém esses cortes excêntricos só ficam à vista se não estiverem com bonés das marcas como Hang Loose, Ciclone, BillaBong etc. Todo mundo sabe que quem usa ciclone é ladrão ou futuro candidato. Cada item com essa marca, a ciclone, aumenta a probabilidade do perigo que o individuo representa, como um tufão na cidade de papel.

As tatuagens são também indícios. A localização, a qualidade e o desenho dizem muita coisa. Se a tatuagem é aquela extremamente amadora e tecnicamente horrível, o elemento perdeu o senso estético e, portanto, representa mais perigo.

O brinco aliado a sandália, que deve ser da marca Kenner, vai compondo os adereços dessa gente pernisiosa. Agregado a isso, o óculos estilo Varnet e o batidão ratificam a certeza. Quanto ao batidão, que é uma corrente de prata, quanto mais grossa e maior for, consequentemente, maior será o perigo que ele oferece.

Se ele sentar-se no fundo do ônibus e colocar para tocar no celular alguma música dos racionais é bom ter medo. A forma que ele fala também denuncia; dicção ruim, um gingado na fala tipicamente de malandro, repleto de neologias e gírias que apenas ele decodifica, sempre com olhares desconfiados e intimidadores. Essas pessoas são geralmente feias e quanto maior for sua feiura e bizarrise estérica e maior itens acima ele carregar, a possibilidade desse lhe fazer um mal e quase cem por cento.

Na hora que ele levantar peça a deus para não morrer, pois ele pode te matar ou apenas descer no príximo ponto. Por isso que eu quero ter meu carro.






quinta-feira, 20 de maio de 2010

O processo anticivizatório

Um horizonte vermelho e cinza. Essas são as cores que vemos no momento em que passamos por alguns trechos da avenida paralela, em Salvador, cujo nome oficial é Luiz Viana, e outrora era apenas unicolor: o verde. Ali grandes empreiteiras de grupos bem representados em várias instituições, principalmente políticas, mutilam a mata atlântica para construírem o país vertical das maravilhas, como uma espécie de Lewis Carroll à baiana; mas o efeito maravilha desse mundinho acaba quando abrem-se os portões e as portas da não esperança do mundo da não fantasia.

São prédios e mais prédios de geometrias plurais, onde homens se empenham para o quanto antes seus donos poderem adentrar com suas ideologias singulares, em seus veículos com nomes estrangeiros, nos seus condomínios de nomes estrangeiros, para seus mundos de alienígenas estrangeiros, cujo pode ser comprando por fortunas a metros quadrados. Afinal esse mundo construído com cimento e medo, é uma tentativa pífia de reproduzir sociedades longínquas, com outra cultura e outros contextos. Trata-se de uma nova e velha forma de ordenar os espaços urbanos com a propósito de ficar cada um no seu quadrado e cada um no seu mundo, como micro-sociedades distintas.

Pastilhas de vidro, porcelanato importado revestem o cinza frio do cimento na cidade das discrepâncias. Os muros antes invisíveis, porem visíveis, sitiam um novo mundo, porém velho. A esses mundos verticais, que ficam mais próximos do céu que da terra, batizam-nos, por exemplo, de Downtown, Le Parc, Mahatan, Especialle, Greenville; uma tentativa clara de importar para reproduzir uma sociedade estrangeira, talvez uma Miami da vida. Os sobrenomes desses esconderijos dos endinheirados são residence club, club private ou coisa parecida. A intenção também é além de outras, a exclusão lingüística para que o outro, aquele do outro lado do muro, que mal sabe seu português, não decodifique significados, dando a impressão de mais exclusividade.

Essas mansões que se destacam por mil e uma variedades de lazer e gozo pleno, tudo sem sair do lugar, para que se possa ficar o máximo de tempo trancado em sua limitação geográfica e ideológica, numa espécie de unidade carcerária de gente rica, cujo crime deve ter sido a omissão dos problemas sociais típico dessa elite historicamente estúpida. O world private dos barões que desfilam em Hilux, Civic, Tucson e similares, desejam sair menos as ruas, no outro mundo, para não se expor as mazeles urbanas e o caos da grande cidade soteropolitana. Essa gente também não gosta de ver o outro que pode levantar a mão ou para pedir ou para tomar o que eles demasiadamente têm em excesso.

Darcy Ribeiro, em O processo civilizatório, analisou a evolução das sociedade humanas na America Latina. Para o antropólogo brasileiro, um dos aspectos da civilização é a interação social e a troca de signos e valores de forma indistinta. Indo no pensamento de Ribeiro, vejo uma ação contrária, um processo anticivizatório. O individuo se enclausurando num espaço onde ele trabalha, dorme e se diverte sem por o pé na rua, pois o perigo é iminente e sua capacidade de enxergar além disso é inconveniente

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Entre a teoria e a práxis no ensino do jornalismo

O último dia 7 de abril foi o dia do jornalista, portanto, é pertinente falar sobre o ensino do jornalismo, em salvador, em diversos aspectos, mesmo que de forma tardia.

Com a expansão das faculdades privadas, a academia passou a despertar o interesse de profissionais que viam na docência um mercado promissor. Fazer um mestrado tornou-se um passaporte para dar aula nas faculdades, mesmo para os recém-formados e com pouca experiência na pratica jornalística. Desta forma é comum ver professores na casa dos vinte e poucos anos, com muita teoria e pouca experiência a ensinar, mas com seu titulo de mestre. Já tive professores de 24 e 27 anos. Em Portugal o sindicato dos jornalistas já propôs que qualquer jornalista com dez anos de experiência teria acesso direto ao grau acadêmico de mestrado.

Acredito também que um jornalista com dez anos de carreira e sem mestrado tem muito mais a ensinar que aquele com dois de experiência e um titulo de mestre. A conseqüência da falta de longa e ampla experiência dos docentes,( claro que nem todos) deixa o ensino do jornalismo com teoria exacerbada; em sala quase não se nota competências e habilidades individuais, pois os discentes ficam sentados ouvindo os grande detentores da sabedoria, num método ultrapassado e ineficiente, principalmente no curso de jornalismo. Desta forma o excesso de teoria e a pouca prática tende a deixar o jornalismo (e o jornalista mecânico), robotizado e com grande dificuldade na hora de exercer a profissão na pratica real.

Como estudante de jornalismo, passei por três faculdades privadas em Salvador e a realidade não se diferencia muito uma da outra. Acredito que a teoria é importante para entender o fundamento, a técnica e a ética jornalística, mas a práxis deve ser priorizada.

Na França, depois de institucionalizar o ensino do jornalismo, defrontavam-se duas opções pedagógicas: os defensores de uma formação profissionalizante instituindo nas aprendizagens técnicas, e os partidários de uma formação intelectual. Acredito que as duas diretrizes devem ser incorporada uma a outra, mas a formação intelectual deve ser priorizada, privilegiando o empírico, mas sem desprezar o teórico. Acredito que o jornalismo se aprende na pratica , nas redações e nas ruas, onde estão os verdadeiros professores.