quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A benção de Xangô a um ateu

Quem passa pela frente logo percebe que se trata uma casa de Axé, ou, para os ignorantes e intolerantes, casa de macumba ou do diabo. Em cima do muro branco, pequenos vasos de barro; uma palha seca de dendê no portão de entrada são símbolos de um terreiro de Candomblé.
Luana karinani, uma filha de santo regida por Nanã, a Orixá mais velha da mitologia africana, também conhecida como vovó, foi quem me levou ao Terreiro Manso Neto de Laje Grande, localizado em Lauro de Freitas. Logo perguntei a Karinani o motivo desse nome tão extenso para o terreiro e ela não soube me responder, pois se tratava de fundamento da religião. Fundamento. Essa era sempre a palavra que ouvi muito quando minha instigante curiosidade resolvia indagar sobre os elementos do terreiro. Fundamento, segundo karinani, é a doutrina da religião que é extremamente restrita aos seus membros. Disse-me que nem todos os membros do Candomblé sabem todo o fundamento da religião. “Parece ser algo determinado pelos deuses” disse. Assim, pensei que se tratava mais de uma seita que uma religião.
Logo fui apresentado ao Pai de Santo da casa, o Babalorixá Manuel, homem muito solícito e diligente, mas apenas quando minhas perguntas não eram inconvenientes. Pai Manuel, que é regido por Xangô, me mostrou seu terreiro que não era muito grande. Por toda a parede do ambiente existiam palhas secas de dendê penduradas horizontalmente na parte superior dos muros e paredes. Essa palha é chamada de Mariú que, segundo Pai Manuel, protege a roça dos maus espíritos, dos egús, que são espíritos malevolentes, espíritos de mortos que perturbam os mortais.
No meio do barracão, onde acontecem os rituais litúrgicos, estava pendurado um prato de barro. Pai Manuel me disse que havia naquele prato coco e milho, comida de Oxossi, Orixá que habita as matas e florestas.
Enquanto Pai Manuel estava afastado, pois falava no celular, eu e Karinani andávamos pelo terreiro. Conheço-a de longas datas, pois outrora me levara em outro terreiro para eu fazer um trabalho sobre antropologia simbólica.
Defrontei-me com uma minúscula casa com muitas bonecas plásticas, dessas que crianças brincam quando ainda na ingenuidade passageira que é a infância. Karinani me disse que era a casa da Erea, a Orixá criança. Achei isso interessantíssimo. Logo ao lado da casa de boneca da Erea, uma escultura de ferro estava assentada no chão, cujo tinha chifres e um tridente na mão; era o Exu...Karinani mostrou-me um objeto de ferro parecido com um arco e flecha, era o Ofá, ferramenta de guerra de Logum Edé.
Pai Manuel voltou após longa conversa nesses aparatos tecnológicos portáteis para comunicação, que em certos momentos é melhor esquecê-lo, e me disse que iria se arrumar, pois a festa para Xangô já estava para começar. Uma hora depois os atabaques tocavam. As pessoas chegavam e se achegavam em tamboretes dentro do barracão. De dentro via que quem passava na rua olhava para dentro e se benzia; uma mulher que passava com duas crianças picou uma tapa nas costelas do moleque curioso que se atreveu a olhar para dentro do barracão. (‘ Método pedagógico’ muito eficaz para o intolerantismo.)
Enquanto os atabaques tocavam naquela ambiência de espiritualidade, as mulheres dançavam em movimentos em que levemente desciam e subiam, onde seus membros superiores pouco inclinados iam para frente e para trás e seus braços dobrados faziam o mesmo movimento. Quem tocava os atabaques eram os Ogans. Lúcio, um estudante de História, é um Ogan, ele me contou que os Ogans têm, além de outras, a incumbência de tocar os instrumentos nos rituais, pois não são rodantes, não são incorporados por deuses, assim como as Ekedes, as mulheres não rodantes, que não recebem entidades, mas não podem tocar nenhum instrumento; elas auxiliam na produção da festa, podem também cantar e bater palmas, mas nunca tocar o atabaque, por motivos, claro, de fundamento.
Pai Manuel chegou todo de branco, numa vestimenta que lembrava os reis africanos. Sua mão carregava um grande prato de barro chamado de Agdá, cujo dentro tinha quiabo, dendê e camarão a comida de Xangô, chamada de Amalá. Logo me lembrei de uma música de Mariana Aydar cujo refrão é: “pra Xangô tem, tem Amalá”. O acepipe de Xangô foi colocado pelo Pai Manuel próximo ao portão de entrada do terreiro; optei não perguntar nada a respeito, pois já sabia a resposta monossilábica. Então melhor mesmo foi ouvir os atabaques que soavam naquele ambiente que faziam mulheres dançarem cantando a história mitológica da África e incorporando seus deuses, numa liturgia que envolvia arte e espiritualidade, beleza e mistério. Depois de deliciar-me com as iguarias, quitutes e guloseimas da festa, admirado com a dança, a música transcendental oriunda das riquezas e manifestações da África, fui embora coma benção de Xangô, que usou o corpo de Pai Manuel para me dizer: “cuidado no caminho e nas encruzilhadas”, imediatamente me lembrei de uma música de Vinicius de Morais que dizia” amigo, senhor, sarava! Xangô quem mandou lhe dizer: se é canto de Osanha não vá, pois muito vai se arrepender” . Assim, vos disse que se em meu caminho ele estiver, estarei seguro, e partir. (Espero que ele não saiba que eu sou Ateu!)

Vangurada Paulista: movimento rompe padrão estético de um época

Depois do movimento bossa nova nos anos 50, a Tropicália foi um dos movimentos culturais juvenil de maior notoriedade no campo intelectual e que ainda hoje, seus principais representantes têm seus espaços e são muito bem lembrados. Ainda em São Paulo, como centro de surgimentos de várias linguagens artísticas de vanguarda, em plena a expansão urbana e industrial, no final da década de 70, surge um movimento cultural que embora sempre estivesse às margens da mídia, consegue se conceituar entre críticos e especialistas, e principalmente entre o público universitário urbano, assim como na Tropicália. O movimento cultural Vanguarda Paulista surge no momento em que a indústria fonográfica se solidifica no Brasil com os gêneros “MPB” e no inicio do rock Brasil dos anos 80. Considerado o primeiro movimento cultural alternativo e independente no Brasil utilizava uma linguagem de música urbana concreta, partindo de uma nova estética artística. O movimento reunia artista, entre músicos e poetas, no Teatro Lira Paulistana, na rua Teodoro Sampaio, no bairro de Pinheiros. A música era um experimento entre funk, rock, blues, jazz e samba numa tentativa de renovar a música popular jovem, a primeira depois do Tropicalismo, ainda em São Paulo. Caracterizado como movimento Underground, a vanguarda paulista nunca ganhou espaço na grande mídia, embora sempre tenha sido elogiado pela critica especializada. Um movimento sólido, porém marginal, nunca virou produto na indústria cultural e ainda hoje, seus representantes nunca tiveram notoriedade nos espaços midiáticos, por se tratar de uma linguagem nova e uma diversidade de experimentos nos elementos sonoros. O predomínio da fala nas canções, o humor irônico e sarcástico característica de alguns grupos desta fase marcante da musica de vanguarda brasileira.
Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé inauguraram o movimento sendo os mais influentes. O disco Claro Crocodilo (1980), de Arrigo Barnabé, é considerado o abre-alas do movimento, mas é seu segundo álbum, Tubarões Voadores, que é eleito pela revista francesa de jazz, jazz hot, um dos melhores discos do mundo. Itamar acompanhou Arrigo na banda Sabor de Veneno, em Londrina, onde já experimentava elementos do rock, samba e o funk, mas logo trilhando caminho independente ao lado da banda Isca de Policia. Músico e poeta, sempre esteve longe dos holofotes, pois recusava editar suas musicas para entrar no que chamava de “sistema”. O movimento posteriormente foi trazendo outros artistas de várias linguagens e estéticas, como a poetisa Alice Ruiz, as cantoras Tetê Espindola e Ná Ozzeti além de Luis Tatit e o grupo Rumo.

A poetisa da vanguarda

Como todo movimento cultural envolve diversas linguagens, a poesia não poderia deixar de integrá-la. Foi assim com Vinicius de Morais na Bossa Nova e Waly Salomão e Capinam na Tropicália. A poetiza Alice Ruiz se representa o a vanguarda paulista trazida pelo parceiro Itamar Assumpção ao qual tem diversas composições. Começou escrevendo contos aos 9 anos e versos aos dezesseis. Compõe letras desde os 26, tem mais de 50 músicas gravadas por parceiros e interpretes e lançou em 2005 seu primeiro disco, Paralelas, em parceria com Alzira Espindola.