sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O presente mal entendido

Júlio foi pego de surpresa ao receber o convite de aniversário de sua ex-namorada; não imaginava que fosse lembrar-se dele passado quase um ano após o rompimento do namoro, ademais a ruptura não foi muito amigável e já havia alguns meses que eles não se comunicavam. Ambos já estavam com novos pares amorosos e já possuíam novas pretensões sexuais e ilusões sentimentais.

Na caixa de e-mail de Júlio havia um de Cássia, cujo assunto era “Convite de aniversário”. Até achou que fosse spam, mas para sua surpresa não era. Achou que seu e-mail foi no meio de tantos outros sem que Cássia percebesse. Não acreditava que depois do episódio do fim do namoro Cássia fosse convidá-lo para seu 22° aniversário.

Resolveu então acreditar que recebeu o e-mail por engano e logo descartou a possibilidade de ir ao evento no fim de semana subseqüente ao recebimento do e-mail-convite. Mas no dia seguinte recebeu o telefonema de Cássia: “você vem ao meu aniversário no sábado, Júlio”, perguntou. E ele, não menos surpreso quando recebeu o e-mail, respondeu: “Claro, Cássia. Estarei lá, sim”.

Sentia-se de fato convidado para o tal aniversário, mas foi apenas o ímpeto que o fez responder “sim”, pois não desejava encontrar os pais de Cássia, mas não era hora de pensar nisso; precisava escolher um presente para a aniversariante.

Cássia era adepta da cultura pop. Enquanto se deleitava ouvindo Madonna ele tinha a mesma sensação ouvindo Ella Fitzgerald. Ela devora os livros de Augusto Cury, ele fazia o mesmo com os de Proust, seu escritor predileto. Essa discrepância no consumo de produtos culturais nunca foi barreira para que o relacionamento durasse quase três anos, todavia.

Júlio adorava presentear com livros em aniversários. Aliás, era a única coisa que presenteava; foi assim nos três últimos aniversários de Cássia. Ele perguntava qual livro ela queria ganhar e dava-a de presente; geralmente ela pedia algum de Augusto Cury ou Paulo Coelho, mas ele já não estava ao lado dela para perguntá-la qual livro desejaria ganhar de aniversário, tinha que fazer a escolha sozinho.

O relacionamento dos dois acabou de forma pouco agradável: uma amiga de Cássia disse que viu Júlio com outra garota. Embora Júlio negasse, a afirmação da amiga foi suficiente para Cássia pôr um ponto final no namoro

Era sábado, dia do aniversário, quando Júlio foi ao shopping comprar um livro para a aniversariante, como de praxe. Entre prateleiras e gôndolas de madeira cor de marfim, ele perambulava para saber qual livro dar a jovem moça. Ficou quase duas horas escolhendo.Os preços dos livros eram que faziam Júlio ficar mais tempo na livraria, onde não faltam livros bons, porém preços bons. Aí tinha que ficar garimpando algum livro promocional.

Precisava de um livro bom e barato. Dessa vez o “bom” era a seu critério. Queria comprar um livro de um grande autor, pois pensava que era hora de Cássia experimentar novas narrativas, capazes de levá-las a dimensões longínquas e prazerosas. Pensou em José Saramago, mas estava muito caro. Os livros no Brasil são muito caros. Não há como todo mundo ter acesso a esse material intelectual importantíssimo; Júlio sabia disso.  E sabia também que no Brasil o papel é isento de imposto, o que teoricamente deixariam os livros mais baratos. Acreditava que era uma forma de deixar a grande população bem longe da informação e conhecimento, reservando-os apenas para uma pequena elite econômica.

Mas, finalmente, ele encontrou um ouro. Não acreditou no que viu: Gabriel García Marques por quinze reais. Tratava-se de Memórias de minhas putas tristes, um clássico do autor colombiano. Ficou satisfeitíssimo com a compra. O livro era pequeno e tinha menos de cem páginas, e isso era bom para quem não tinha o hábito de leitura, pensava.

Era noite de sábado quando ele embrulhou o livro num papel com desenhos geométricos e se dirigiu até a casa de Cássia. Ia com a intenção de não demorar muito, pois havia mentido para sua namorada a respeito de sua ida à casa de Cássia. Essa ficaria brava se soubesse que Júlio foi ao aniversário da ex-namorada.

Em sessenta minutos Júlio já tinha degustando as iguarias, quitutes e bebidas alcoólicas e também entregado a aniversariante o presente, que o guardou sem mesmo abrir. Em seguida foi embora.

No dia seguinte Júlio recebeu um e-mail de Cássia como assunto “Seu imbecil”. Novamente Júlio pensou que se tratava de spam, mas resolveu abri-lo. Atônito leu sem entender direito o que Cássia havia escrito. Num texto confuso e sem coesão, ela dizia desaforos dos mais ofensivos a Júlio e terminou dizendo que ele era um filho da puta, pois puta era mãe dele e não ela.
A garota entendeu que o “putas”, contido no título do livro do escritor sul-americano, fazia referência a ela.


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